Inadiável

Napoleão compreendeu a natureza do tempo. "Estratégia é a arte do uso do tempo e do espaço. Me preocupo mais com o primeiro que com o segundo. Espaço perdido pode ser recuperado. Tempo perdido, jamais."

Outro homem se preocupou em dizer que o que distinguiria o tempo das outras dimensões físicas seria seu caráter irreversível. Diria eu que a irreversibilidade é um aspecto, uma característica do tempo, não sua essência. A essência do tempo é a crueldade.

No Escuro (parte 2)

Ela pertence à depressão.
Sua vida não deve ser pior que a da maioria das pessoas. Um narrador onisciente seria capaz de dizer o que a deprime, mas Ela não sabe, não com certeza pelo menos. Não a interessa que sua vida seja melhor que a de outras pessoas e não a interessa saber o porquê da depressão. Ela sabe que tudo que ela possui é a depressão e no fundo é a depressão que a possui. Um vácuo insondável dentro d'Ela e tudo que o ocupa é o vazio da depressão. Sua infinita solidão a torna independente, quase livre. Ela se levanta e sai da sala, passando por trás da televisão, sem ser notada.

No Escuro (parte 1)

Todos estão reunidos, todos sentados vendo televisão. Todos menos Ela. A sala é um espaço dividido em dois, metade do qual é ocupado pela televisão, dois sofás e as mentes agora nevoentas e semi-conscientes de seus amigos. Na outra metade se encontram uma mesa com lugar para seis, um bilhete suicida em progresso e Ela. Ela gosta de pensar que há o risco real de suicído, mas ela sabe que não há, não é um desfecho provável. Ela quase se diverte escrevendo e imaginando seus bilhetes, e esse deve ser o vigésimo que é colocado no papel e não é o primeiro a ser escrito assim, em público, digamos. Ela sabe que às vezes os escreve mais para matar o tempo que a si mesma. Apesar de tudo, é o bilhete de uma suicida, e é Ela quem o escreve.

Catulo

Odit et amo.

Quare id faciam, fortasse requiris. Nescio, sed fieri sentio et excrucior.